segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Livro:Crônicas de Iaça , o mundo além do olho d'água. (J.J. Alves)


DOIS


UM ESCOTEIRO NA CIDADE

acampamento era normal na vida deste escoteiro. Desde cedo Katú sentiu vontade de estar mais perto da natureza, afinal, ele é um garoto que vive na Grande Belém, cidade que mesmo repleta de árvores, não tinha mais o verde de tempos outrora, e nem o vigor dos anos áureos da borracha, período em que houve grande prosperidade e a riqueza circulava entre seus habitantes.
Hoje, enormes prédios, condomínios fechados e carros invadem a paisagem da cidade morena, interferindo em sua beleza primitiva, o antigo e o novo tentam conviver neste novo cenário.
Como conseqüência da mudança das árvores e campos verdes por prédios e asfalto, a cidade experimentava chuvas mais intensas do que de costume, extremo calor e umidade geradora de muito incômodo.
As áreas verdes de lazer foram substituídas por enormes estacionamentos e shoppings. Devido o aumento dos carros na cidade, o estresse passou a fazer parte da vida dos motoristas e pedestres. Alguns brigavam com o menor deslize do outro, saiam de onde estavam e entoavam gritos de revolta como se isso fosse resolver alguma coisa.
Mesmo com um cenário em mudança, Belém possui áreas verdes enormes que tentam preservar a fauna e a flora. Algumas dessas áreas são preservadas com o esforço da população. Um dos espaços é um verdadeiro pedaço da Amazônia dentro da cidade, conhecido como Museu Emílio Goeldi. Este, fundado em 1866. Sua história é coberta de personagens importantes na busca pela preservação do meio-ambiente.
Ele abriga fauna e flora da Amazônia, favorece o contato do visitante com o rico acervo que possui. Eduardo Katú sempre que podia gastava um pouco do que ganhava para entrar e se conectar com tudo que o Museu podia oferecer. Cada nova visita era para Katú como se fosse a primeira. Tudo tinha um ar diferente, até o senhor Marcos Cardoso, o fotógrafo do local que ganhava alguns trocados, capturando imagens das crianças com a máquina companheira de profissão.
Katú quando criança, não teve a oportunidade de ter sua foto sentado no cavalinho ou mesmo em um carrinho, também pudera, este serviço era pago por aqueles que tinham dinheiro suficiente para gastar com esse tipo de prazer, o que Katú fazia era se imaginar em meio aquele momento recebendo a fotografia.
O senhor Marcus Cardoso sempre acenava para o jovem Katú quando este fazia as suas visitas ilustres ao Museu para deixá-lo à vontade. Para Marcus Cardoso, o jovem tinha algo de diferente dos outros garotos, um interesse mais profundo do que a maioria dos adolescentes que visitam o Museu.
Já sobre a família de Katú, a maior parte morava distante de Belém. Certa vez, a tia Marieta Silva, prima distante do Pai de Katú, quando veio a Belém, o presenteou com um vídeo-game. Antes ela fez um trato com ele - Se você passar direto este ano, sem precisar de recuperação na escola, eu darei a você um vídeo-game - disse ela.
— Katú cumpriu com a promessa, recebeu o prêmio glorioso com o boletim na mão, indicando as várias notas azuis escritas à caneta pela secretária da escola.
Promessa cumprida! - disse ele com o boletim na mão.
— Deixe-me ver - pediu a tia Marieta - É mesmo, parece autêntico - completou.
–– Graças a Deus não preciso mandar meu filho estudar, ele já sabe das suas obrigações - disse com voz alta em tom de orgulho a mãe Mariana.
Então depois de ganhar o tão sonhado vídeo-game, experimentou o jogo eletrônico como qualquer adolescente, afinal nasceu no auge da tecnologia, mas depois de certo tempo achava mais interessante mesmo, a emoção real. Chegou à conclusão que gostava mesmo era de correr, pois o seu suor fazia parte de sua aventura, caso contrário,não haveria aventura.
Katú também sentia enorme tristeza todas as noites ao fechar a janela de seu quarto para dormir. Havia um vazio, como se algo em sua vida estivesse faltando. Uma espécie de nostalgia de um tempo perdido em sua mente que ele não conseguia acessar.
Vivia com os pais, sempre experimentara o amor que vinha expresso nas várias oportunidades de convivência e exemplo que tinha deles. A mãe Mariana Katú, sempre atenciosa, fazia questão que o menino estudasse, e se necessário, sacrificaria-se pelo filho.
Mariana é uma mulher vigorosa, de pele morena e olhos bem escuros. Relativamente baixinha de certa forma, sua estatura de um metro e cinqüenta e dois centímetros não a 
deixava entrar em um time de vôlei ou basquete, porém, sua destreza com as mãos a permitia ganhar a vida com seus dotes culinários.
Eduardo Katú conseguia reconhecer o esforço da mãe, sempre atencioso também diante dos sentimentos dela, fazia questão de contribuir no que fosse possível para tomar a vida da família mais feliz, e se isso incluísse trabalhar até tarde, ele o faria.
Em relação ao pai, o senhor Miguel Katú, o idolatrava, era para Katú uma espécie de super-herói sem capa nem máscara. Ele sempre foi um pai dedicado e sua a principal virtude era a honestidade. Trabalhava duro, mas há muito não conseguia emprego fixo. Nas horas vagas aproveitava para imaginar histórias com o filho Katú. Os dois viviam aventuras que você leitor, jamais sonhou.
Miguel é um homem de um metro e setenta centímetros e magro, porém, com a musculatura definida no corpo. Na adolescência, Miguel era um estivador, trabalhava no porto de Belém, carregando grande quantidade de peso. Aquela atividade, de certa forma, modificou o jeito com que Miguel percebia a vida.
No entanto, sempre foi um homem honesto, disposto a trabalhar por aquilo que acreditava. Esses princípios, Miguel repassou ao filho Katú, através de suas experiências de vida.
Às vezes Katú ficava sempre triste com a situação financeira deles. Seu pai, por exemplo, realizava diversos consertos em casas de família, ganhava um dinheiro aqui, outro ali. Sua mãe não conseguia emprego convencional, devido à baixa escolaridade, o que a obrigou a montar uma barraca nas ruas do comércio de Belém, para tentar levar um complemento a mais na renda financeira da família.
Apesar de imensa dificuldade que passavam, a família dos Katú buscava constantemente ser honesta e sincera frente aos desafios do Mundo. Venciam os obstáculos com a força de viver e pela união entre si.
A família era pouco numerosa, raramente ele encontrava os primos e outros parentes para trocar idéias e saber de suas vidas. Os momentos que a família se reunia, geralmente eram em aniversários, isso quando eram festejados.
A vida de Katú começou a mudar quando ele decidiu entrar para o Escotismo. Sua mãe apoiou desde o início, já o seu pai, ficou preocupado com a possibilidade de o único filho ter que acampar em locais distantes, mesmo assim com uma boa conversa, Mariana o convencera a permitir que Katú realizasse seu desejo.
Para entrar no Escotismo eram necessários vários itens. Entre eles existia o uniforme, este foi costurado sobre medida para o jovem, e grande parte do dinheiro para pagá-lo, foi das economias que a família possuía. A mãe acreditava que o Escotismo fosse ajudar no encaminhamento de seu filho diante da vida. No fundo Mariana tinha grande medo que Katú se tornasse um marginal e acabasse perdendo a vida jovem demais.
Completando o investimento, um escoteiro veste além da bermuda e camisa, um lindo lenço em formato triangular, preso por um anel de couro que envolve o pescoço, um cinto com o emblema da flor-de-lis, símbolo escoteiro, além do par de sapatos preto e as meias cinzas que completam o visual.
O que fazia com que Eduardo Katú tivesse esperanças em um futuro melhor eram as histórias que ele e o pai imaginavam. Muitas acabavam copiadas em cadernos, ilustradas por diversos desenhos repassados para folhas em branco, Katú sonhava em publicá-las algum dia para compartilhar com outros jovens as alegrias que sentia em suas aventuras.
Numa dessas conversas sobre contos, Mariana ficou deslumbrada com o diálogo entre pai e filho, tanto que não conseguia se concentrar para preparar o jantar com o pouco que tinham na despensa.
–– Katú, cuide bem desses desenhos - disse Miguel.
–– Pode deixar comigo pai. Sempre guardo os desenhos nas minhas intermináveis caixas de sapato que recolho das lojas de magazine - respondeu Katú.
–– Meu Deus! - exclamou Mariana.
–– O que foi mãe? - perguntou Katú.
–– Vocês viajam mesmo nessas histórias - disse Mariana quase babando de tanto orgulho dos homens da casa - Espero vê-las publicadas algum dia - completou.
–– Se depender de mim será publicado - disse Miguel. Katú correu para abraçar a mãe. Costumava apertar a barriga de Mariana com tanto vigor, a ponto de faltar ar, de tão forte que era o abraço.
–– Eu também amo você - disse Mariana - para o filho depois de receber tamanho carinho e energia.

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