terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Cinderela Irmãos Grimm


Há muito tempo, aconteceu que a
esposa de um rico comerciante adoeceu
gravemente e, sentindo seu fim se aproximar,
chamou sua única filha e disse:
— Querida filha, continue piedosa
e boa menina que Deus a protegerá sempre.
Lá do céu olharei por você, e estarei
sempre a seu lado. — Mal acabou de dizer
isso, fechou os olhos e morreu.
A jovem ia todos os dias visitar o túmulo da mãe, sempre chorando muito.
Veio o inverno, e a neve cobriu o túmulo com seu alvo manto. Chegou a primavera,
e o sol derreteu a neve. Foi então que seu pai resolveu se casar outra
vez.
A nova esposa trouxe suas duas filhas, ambas louras e bonitas — mas
só exteriormente. As duas tinham a alma feia e cruel.
A partir desse momento, dias difíceis começaram para a pobre enteada.
— Essa imbecil não vai ficar no quarto conosco! — reclamaram as moças.
— O lugar dela é na cozinha! Se quiser comer pão, que trabalhe!
Tiraram-lhe o vestido bonito que ela usava obrigaram-na a vestir outro,
velho e desbotado, e a calçar tamancos.
— Vejam só como está toda enfeitada a orgulhosa princesinha de antes!
— disseram a rir, levando-a para a cozinha.
A partir de então, ela foi obrigada a trabalhar, da manhã à noite, nos serviços
mais pesados. Era obrigada a se levantar de madrugada, para ir buscar
água e acender o fogo. Só ela cozinhava e lavava para todos.
Como se tudo isso não bastasse, as irmãs caçoavam dela e a humilhavam.
Espalhavam lentilhas e feijões nas cinzas do fogão e obrigavam-na a catar
um a um.
À noite, exausta de tanto trabalhar, a jovem não tinha onde dormir e era
obrigada a se deitar nas cinzas do fogão. E, como andasse sempre suja e cheia
de cinza, só a chamavam de Cinderela.
Uma vez, o pai resolveu ir a uma feira. Antes de sair, perguntou às enteadas
o que desejavam que ele trouxesse.
— Vestidos bonitos — disse uma.
— Pérolas e pedras preciosas — disse a outra.
— E você, Cinderela, o que vai querer? — perguntou o pai.
— No caminho de volta, pai, quebre o primeiro ramo que bater no seu
chapéu e traga-o para mim.
80 parte 2 - contos
Ele partiu para a feira, comprou vestidos bonitos para uma das enteadas,
pérolas e pedras preciosas para a outra e, de volta para casa, quando cavalgava
por um bosque, um ramo de aveleira bateu no seu chapéu. Ele quebrou
o ramo e levou-o. Chegando em casa, deu às enteadas o que haviam pedido e à
Cinderela o ramo de aveleira.
Ela agradeceu, levou o ramo para o túmulo da mãe, plantou-o ali, e chorou
tanto que suas lágrimas regaram o ramo. Ele cresceu e se tornou uma aveleira
linda. Três vezes, todos os dias, a menina ia chorar e rezar embaixo dela.
Sempre que a via chegar, um passarinho branco voava para a árvore e, se
a ouvia pedir baixinho alguma coisa, jogava-lhe o que ela havia pedido.
Um dia, o rei mandou anunciar uma festa, que duraria três dias. Todas as
jovens bonitas do reino seriam convidadas, pois o filho dele queria escolher entre
elas aquela que seria sua esposa.
Quando souberam que também deveriam comparecer, as duas filhas da
madrasta ficaram contentíssimas.
— Cinderela! — gritaram. — Venha pentear nosso cabelo, escovar nossos
sapatos e nos ajudar a vestir, pois vamos a uma festa no castelo do rei!
Cinderela obedeceu chorando, porque ela também queria ir ao baile. Perguntou
à madrasta se poderia ir, e esta respondeu:
— Você, Cinderela! Suja e cheia de pó, está querendo ir à festa? Como
vai dançar, se não tem roupa nem sapatos?
Mas Cinderela insistiu tanto que, afinal, ela disse:
— Está bem. Eu despejei nas cinzas do fogão um tacho cheio de lentilhas.
Se você conseguir catá-las todas em duas horas, poderá ir.
A jovem saiu pela porta dos fundos, correu para o quintal e chamou:
— Mansas pombinhas e rolinhas!
Passarinhos do céu inteiro!
Venham me ajudar a catar lentilhas!
As boas vão para o tacho!
As ruins para o seu papo!
Logo entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir,
vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa
revoada e pousaram nas cinzas.
As pombas abaixavam a cabecinha e — pic, pic, pic — apanhavam os
grãos bons e deixavam cair no tacho. As outras avezinhas faziam o mesmo.
Não levou nem uma hora, o tacho ficou cheio e as aves todas voaram para fora.
Cheia de alegria, a menina pegou o tacho e levou para a madrasta, certa
de que agora poderia ir à festa. Porém a madrasta disse:
— Não, Cinderela. Você não tem roupa e não sabe dançar. Só serviria de
caçoada para os outros.
Como a menina começasse a chorar, ela propôs:
parte 2 - contos 81
— Se você conseguir catar dois tachos de lentilhas nas cinzas em uma
hora, poderá ir conosco.
Enquanto isso, pensou consigo mesma: “Isso ela não vai conseguir…”.
Assim que a madrasta acabou de espalhar os grãos nas cinzas, Cinderela
correu para o quintal e chamou:
— Mansas pombinhas e rolinhas!
Passarinhos do céu inteiro!
Venham me ajudar a catar lentilhas!
As boas vão para o tacho!
As ruins para o seu papo!
E entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir, vieram
as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada
e pousaram nas cinzas.
As pombas abaixavam a cabecinha e — pic, pic, pic — apanhavam os
grãos bons e deixavam cair no tacho. Os outros pássaros faziam o mesmo.
Não passou nem meia hora e os dois tachos ficaram cheios. As aves se foram
voando pela janela.
Então, a menina levou os dois tachos para a madrasta, certa de que, desta
vez, poderia ir à festa.
Porém, a madrasta disse:
— Não adianta, Cinderela! Você não vai ao baile! Não tem vestido, não
sabe dançar e só nos faria passar vergonha!
E, dando-lhe as costas, partiu com suas orgulhosas filhas.
Quando ficou sozinha, Cinderela foi ao túmulo da mãe e embaixo da aveleira,
disse:
— Balance e se agite,
árvore adorada,
cubra-me toda
de ouro e prata!
Então o pássaro branco jogou para ela um vestido de ouro e prata e sapatos
de seda bordada de prata. Cinderela se vestiu a toda a pressa e foi para a
festa.
Estava tão linda, no seu vestido dourado, que nem as irmãs, nem a madrasta
a reconheceram. Pensaram que fosse uma princesa estrangeira — para
elas, Cinderela só poderia estar em casa, catando lentilhas nas cinzas.
Logo que a viu, o príncipe veio a seu encontro e, pegando-lhe a mão, levou-
a para dançar. Só dançou com ela, sem largar de sua mão por um instante.
Quando alguém a convidava para dançar, ele dizia:
— Ela é minha dama.
Dançaram até altas horas da noite e, afinal, Cinderela quis voltar para
casa.
82 parte 2 - contos
— Eu a acompanho — disse o príncipe. Na verdade, ele queria saber a
que família ela pertencia.
Mas Cinderela conseguiu escapar dele, correu para casa e se escondeu
no pombal. O príncipe esperou o pai dela chegar e contou-lhe que a jovem desconhecida
tinha saltado para dentro do pombal.
“Deve ser Cinderela…”, pensou o pai. E mandou vir um machado para arrombar
a porta do pombal. Mas não havia ninguém lá dentro.
Quando chegaram em casa, encontraram Cinderela com suas roupas sujas,
dormindo nas cinzas, à luz mortiça de uma lamparina.
A verdade é que, assim que entrou no pombal, a menina saiu pelo lado de
trás e correu para a aveleira. Ali, rapidamente tirou seu belo vestido e deixou-o sobre
o túmulo. Veio o passarinho, apanhou o vestido e levou-o. Ela vestiu novamente
seu vestidinho velho e sujo, correu para casa e se deitou nas cinzas da cozinha.
No dia seguinte, o segundo dia da festa, quando os pais e as irmãs partiram
para o castelo, Cinderela foi até a aveleira e disse:
— Balance e se agite,
árvore adorada,
cubra-me toda
de ouro e prata!
E o pássaro atirou para ela um vestido ainda mais bonito que o da véspera.
Quando ela entrou no salão assim vestida, todos ficaram pasmados com
sua beleza.
O príncipe, que a esperava, tomou-lhe a mão e só dançou com ela. Quando
alguém convidava a jovem para dançar, ele dizia:
— Ela é minha dama.
Já era noite avançada quando Cinderela quis ir embora. O príncipe seguiu-
a, para ver em que casa entraria.
A jovem seguiu seu caminho e, inesperadamente, entrou no quintal atrás
da casa. Ágil como um esquilo, subiu pela galharia de uma frondosa pereira
carregada de frutos que havia ali. O príncipe não conseguiu descobri-la e, quando
viu o pai dela chegar, disse:
— A moça desconhecida escondeu-se nessa pereira.
“Deve ser Cinderela”, pensou o pai. Mandou buscar um machado e derrubou
a pereira. Mas não encontraram ninguém na galharia.
Como na véspera, Cinderela já estava na cozinha dormindo nas cinzas,
pois havia escorregado pelo outro lado da pereira, correra para a aveleira e devolvera
o lindo vestido ao pássaro. Depois, vestiu o feio vestidinho de sempre e
correu para casa.
No terceiro dia, assim que os pais e as irmãs saíram para a festa, Cinderela
foi até o túmulo da mãe e pediu à aveleira:
— Balance e se agite,
parte 2 - contos 83
árvore adorada,
cubra-me toda
de ouro e prata!
E o pássaro atirou-lhe o vestido mais suntuoso e brilhante jamais visto,
acompanhado de um par de sapatinhos de puro ouro.
Ela estava tão linda, tão linda que, quando chegou ao castelo, todos emudeceram
de assombro. O príncipe só dançou com ela e, como das outras vezes,
dizia a todos que vinham tirá-la para dançar:
— Ela é minha dama.
Já era noite alta quando Cinderela quis voltar para casa. O príncipe tentou
segui-la, mas ela escapuliu tão depressa que ele não pode alcançá-la.
Dessa vez, porém, o príncipe usara um estratagema: untou com piche
um degrau da escada e, quando a moça passou, o sapato do pé esquerdo ficou
grudado. Ela deixou-o ali e continuou correndo.
O príncipe pegou o sapatinho: era pequenino, gracioso e todo de ouro. No
outro dia, de manhã, ele procurou o pai e disse:
— Só me casarei com a dona do pé que couber neste sapato.
As irmãs de Cinderela ficaram felizes e esperançosas quando souberam
disso, pois tinham pés delicados e bonitos.
Quando o príncipe chegou à casa delas, a mais velha foi para o quarto
acompanhada da mãe e experimentou o sapato. Mas, por mais que se esforçasse,
não conseguia meter dentro dele o dedo grande do pé. Então, a mãe
deu-lhe uma faca, dizendo:
— Corte fora o dedo. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé.
Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao
encontro do príncipe. Ele recebeu-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu
cavalo.
Quando passavam pelo túmulo da mãe de Cinderela, que ficava bem no
caminho, duas pombas pousaram na aveleira e cantaram:
— Olhe para trás! Olhe para trás!
Há sangue no sapato,
que é pequeno demais!
Não é a noiva certa
que vai sentada atrás!
O príncipe virou-se, olhou o pé da moça e logo viu o sangue escorrendo
do sapato. Fez o cavalo voltar e levou-a para a casa dela.
Chegando lá, ordenou à outra filha da madrasta que calçasse o sapato. Ela
foi para o quarto e calçou-o. Os dedos do pé entraram facilmente, mas o calcanhar
era grande demais e ficou de fora. Então, a mãe deu-lhe uma faca dizendo:
— Corte fora um pedaço do calcanhar. Quando você for rainha, vai andar
muito pouco a pé.
84 parte 2 - contos
Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro
do príncipe. Ele aceitou-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo.
Quando passavam pela aveleira, duas pombinhas pousaram num dos ramos
e cantaram:
— Olhe para trás! Olhe para trás!
Há sangue no sapato,
que é pequeno demais!
Não é a noiva certa
que vai sentada atrás!
O príncipe olhou o pé da moça, viu o sangue escorrendo e a meia branca
vermelha de sangue. Então virou seu cavalo, levou a falsa noiva de volta para
casa e disse ao pai:
— Esta também não é a verdadeira noiva. Vocês não têm outra filha?
— Não — respondeu o pai —, a não ser a pequena Cinderela, filha de minha
falecida esposa. Mas é impossível que seja ela a noiva que procura.
O príncipe ordenou que fossem buscá-la.
— Oh, não! Ela está sempre muito suja! Seria uma afronta trazê-la a vossa
presença! — protestou a madrasta.
Porém o príncipe insistiu, exigindo que ela fosse chamada. Depois de lavar
o rosto e as mãos, ela veio, curvou-se diante do príncipe e pegou o sapato
de ouro que ele lhe estendeu.
Sentou-se num banquinho, tirou do pé o pesado tamanco e calçou o sapato,
que lhe serviu como uma luva. Quando ela se levantou, o príncipe viu seu
rosto e reconheceu logo a linda jovem com quem havia dançado.
— É esta a noiva verdadeira! — exclamou, feliz.
A madrasta e as filhas levaram um susto e ficaram brancas de raiva. O
príncipe ergueu Cinderela, colocou-a na garupa do seu cavalo e partiram. Quando
passaram pela aveleira, as duas pombinhas brancas cantaram:
— Olhe para trás! Olhe para trás!
Não há sangue no sapato,
que serviu bem demais!
Essa é a noiva certa.
Pode ir em paz!
E, quando acabaram de cantar, elas voaram e foram pousar, uma no ombro
direito de Cinderela, outra no esquerdo; ali ficaram.
Quando o casamento de Cinderela com o príncipe se realizou, as falsas irmãs
foram à festa. A mais velha ficou à direita do altar, e a mais nova, à esquerda.
Subitamente, sem que ninguém pudesse impedir, a pomba pousada no
ombro direito da noiva voou para cima da irmã mais velha e furou-lhe os olhos.
A pomba do ombro esquerdo fez o mesmo com a mais nova, e ambas ficaram
cegas para o resto da vida.